Usar o iPad com musical apps é muito mais que tocar arquivos de músicas em formato MP3 ou Wave, mais que acessar rádios virtuais ou vídeos no YouTube. Aplicativos musicais podem gerar engenhos de instrumentos musicais, como pianos, órgãos, sintetizadores, instrumentos de orquestra e outros, mas é ainda mais que isso, esses instrumentos podem ser tocados não só através da tela do iPad, nos tecladinhos, cordas ou outras imagens. Teclados musicais em hardware podem ser conectados ao iPad e tocarem engenhos geradores de instrumentos dentro do iPad em tempo real. Mas não só teclados musicais, outros instrumentos, como guitarras, pads, controladores de sopro, etc, podem se conectar ao iPad e tocar musical apps.
Teclado - Cabo USB/Power Hub - CCK - iPad
2. MIDI
Como a conexão é feita? Através do protocolo MIDI, e eis aqui um conhecimento fundamental para usar musical apps em iPad, conhecer MIDI. Meu objetivo nesta postagem não é aprofundar os pontos, mas dizer para quem está começando nessa ferramenta o que ele precisa ir atrás para saber. Para conhecer os assuntos com mais profundidade existe muito material na internet e no YouTube, sites, vídeos, PDFs e cursos, muita coisa oferecida gratuitamente, basta entrar no Google e teclar. MIDI (Musical Instrument Device Interface, ou dispositivo de conexão para instrumento musical) é um protocolo que estabelece regras para que instrumentos musicais se “conversem”, enviem e recebam mensagens, essa é a primeira lição sobre MIDI. Mas apesar de administrar instrumentos musicais, ele não comunica som, áudio, mas mensagens, como comandos de computador. Essas mensagens, quando recebidas por um instrumento musical eletrônico, geram sons, notas, acordes, etc.
O MIDI está presente nos sintetizadores desde o início dos anos 1980, o célebre Yamaha DX7 ajudou a popularizar esse recurso. Mas o que o iPad tem a ver com isso? O iPad funciona como um módulo de timbres, aqueles aparelhos que geram timbres, racks que não possuem teclas. Os musical apps ou aplicativos musicais são semelhantes aos VSTs, os módulos virtuais para computadores. Bem, iPad só pode ter as teclas de sua tela, para algo mais real é preciso ligar um teclado musical a ele, essa ligação é feita, dentre outras coisas, através do MIDI.
Teclado - Interface MIDI-USB - Power Hub - CCK - iPad
3. CCK
Enquanto os computadores precisam de placas ou interfaces para fazerem conexão com teclados musicais e outros equipamentos, e os teclados, por sua vez, precisam simplesmente de cabos MIDI de cinco pinos ou cabos USB para serem conectados às interfaces, o iPad precisa antes de tudo de um adaptador chamado Camera Connection Kit (CCK) para ter um ponto de ligação com ponta USB. Tem uma postagem bem completa aqui no blog sobre CCK, segue o LINK, mas ele é apenas um ponto para ligar o cabo USB. Alguns teclados mais novos já permitemn conexão MIDI diretamente com o cabo USB, nesse caso, um simples cabo basta para ligar o teclado ao iPad, esses mesmos cabos usados para ligar impressora a computador. Existe alguma restrição nos teclados que fazem carga de energia por USB, nesse caso teremos que usar um adaptador especial, diferente do CCK comum, que permite fazer as duas coisas ao mesmo tempo, conexão USB e carga de energia. Outros teclados, contudo, só possuem conexões MIDI convencionais de cinco pinos, nesse caso é necessário uma interface MIDI-USB para fazer a ligação entre o CCK no iPad e o teclado.
Existem adaptadores mais completos que fazem tanto a conexão USB para MIDI quanto a conexão de áudio, com saídas de áudio para fones de ouvidos, etc, são interfaces mais caras como as da iRig, da Korg, da Line6 e mesmo as mais completas da Roland e da Yamaha, por exemplo, mas para iniciar um CCK original da Apple, que não é barato, de 30 pinos ou lightning, dependendo do modelo de seu iPad, já basta.
Teclado - cabo USB - adaptador Korg plugKEY - iPad / Fones de Ouvido
4. Canais MIDI
O protocolo MIDI trabalha com 16 canais, há estudos para aumentar esse número, mas no momento isso é o que é disponibilizado nos equipamentos. Cada canal permite o controle independente de um engenho de som, dessa forma, você pode, por exemplo, abrir 16 engenhos diferentes no iPad, endereçar cada engenho com um canal, e todos esses engenhos podem ser tocados num teclado musical externo ligado via MIDI. Engenhos de musical apps podem ser multitimbrais, assim um mesmo aplicativo pode gerar vários timbres diferentes ao mesmo tempo, nesse caso cada parte multitimbral de um mesmo engenho pode ser endereçada com um canal MIDI específico. Um musical app com multitimbralidade funciona como se fosse vários musical apps ao mesmo tempo. Mas canal é só um tipo de informação que o MIDI trabalha, há também notas, program change, control change, SysEx, etc.
Tabela de CC (Control Changes) MIDI
5. Notas
Basicamente tudo o que você toca mecanicamente num teclado musical, painel de controle, pedais e teclas, gera uma mensagem MIDI que pode ser transmitida do teclado que foi tocado para outro equipamento. Quando você toca uma nota DÓ central, o MIDI cria um código com três partes: um número que identifica a nota, um segundo número que identica o tempo que você manteve a nota pressionada (o equivalente do MIDI para as figuras rítmicas, da semibreve até à semifusa) e um terceiro número que identifica a velocidade com que você tocou a nota, chamada de "velocity” mas que tem a ver com a força usada na pressão da tecla, que vai definir o volume (de amplitude) do som.
Existem mais informações, como o key off, after touch, mas basicamente é isso, com relação à nota, entenda que esse conjunto de códigos é transmitido pelo teclado tocado através da conexão MIDI OUT, que se ligada à conexão MIDI IN de um outro teclado, permite a esse outro teclado receber a mensagem e tocar a mesma nota, com a mesma duração e volume, sem que você ponha a mão nesse teclado. O segundo teclado precisará estar ligado a um amplificador e caixa para que o som seja ouvido. O som do primeiro teclado, também ligado a amplificador e caixa, também poderá ser ouvido, assim, tocando um teclado os sons de dois teclados serão ouvidos misturados.
Em tempos onde polifonia e multitimbralidade eram limitadas, na década de 1980, isso era um recurso milagroso para criar-se layers e splits. É importante que se entenda que as informações de nota, duração e volume, são definidas pela mensagem MIDI, mas o timbre que tocará a nota no segundo teclado é o timbre desse teclado, não do primeiro. Repetindo, MIDI transmite mensagens, não sons. Isso faz com que os arquivos MIDI sejam leves, usam muito menos memória que arquivos de áudio.
SMF (Standard MIDI File) é um padrão que armazena e executa músicas no formato MIDI. SysEx são mensagens MIDI num formato de computador, como linguagem de máquina, em hexadecimal, com SysEx informações muito mais específicas podem ser armazenadas e manipuladas. (A parte física das conexões MIDI compreende ainda a conexão THRU que duplica as informações recebidas no MIDI IN e as envia para um terceiro teclado, se ligarmos a THRU do segundo na IN do terceiro. Dessa forma inúmeras conexões THRU podem ser feitas, permitindo ao primeiro teclado com a conexão OUT usada, controlar inúmeros teclados e tocar layers/splits de inúmeros timbres).
Informação MIDI para as notas
6. Programas
Além de notas, o MIDI pode enviar também informações de endereçamento de timbres, os chamados patches, singles ou programas, dependendo da marca do equipamento. Três informações são usadas para isso: duas informações CC (Control Change), para bancos, e uma informação PC (Program Change), para o patch dentro do banco. Control change compreende um grupo de dezenas de informações que podem transmitir város ajustes de um instrumento para outro, como master volume, densidade do ajuste que o modulation wheel controla, portamento, pedal de sustain, efeitos, etc. Dentre eles estão dois CC para endereçar bancos de timbres, o 00 (também chamado de MSB) e o 32 (também chamado de LSB). Program change é uma única informação que pode variar de 0 a 127 (ou de 1 a 128), só é usada para endereçar um patch dentro de um banco.
GM (General MIDI) é um mapa padrão para endereçamento de timbres, nesse mapa 128 timbres têm posições fixas, dessa forma, por exemplo, o programa 1 num banco GM sempre será o piano 1, 49 o strings, 74 a flauta. Isso permite um instrumento enviar uma mensagem MIDI para outro e as notas serem tocados por um timbre semelhante, sim, semelhante, mas nem sempre igual. Se um teclado Roland com banco GM manda uma mensagem de nota, banco e programa para um teclado Yamaha com banco GM, a nota que foi tocado por um timbre de saxofone alto no Roland será executada por um saxofone alto no Yamaha, mas no Yamaha com o timbre de saxone alto das amostras de instrumento do Yamaha, não do Roland. Repetindo: MIDI só transmite mensagem, não som. Outros padrões, aprimorando, estendendo e modificando o padrão GM original, surgiram e são usados por marcas e modelos diferentes de teclados, como o GS da Roland e o XG da Yamaha. Atualmente o mapa GM tem acesso a bem mais que 128 timbres, cada timbre pode ter variações com endereços distintos.
Relação de velocity MIDI com dinâmica
7. Split e Layer
Todo teclado, mediante CCK adequado, com sons internos ou não, tendo o protocolo MIDI, pode ser conectado ao iPad e tocar os sons dos aplicativos musicais. Contudo, existe uma quantidade enorme de modelos de teclados, variando, por exmplo formatos de teclas, algumas mais adequadas para timbres de piano, outras para órgãos, outras para pianos elétricos, outras para sintetizadores, etc. Outras características de hardware também variam, como controles do painel frontal, sejam sliders (deslizantes), botões, switches, pitch bender/modulation wheel, breath control, assim como as conexões do painel traseiro, permitindo ligações diferentes de cabos e de uma variedade de pedais, etc.
Além dessas características de hardware, funções e recursos de software também variam de teclado para teclado, alguns só podem tocar um canal MIDI de cada vez. Dessa forma, se você quiser criar um layer (camadas) de vários instrumentos de aplicativos musicais diferentes, terá que ajustar os canais de recepção dos apps para um mesmo canal, assim, por exemplo, o canal 8 ajustado no teclado, procurará todos os canais 8 dos apps que receberão as mensagens de notas, programas, etc.
Alguns teclados, contudo, podem dividir suas teclas em várias zonas, separadas (split) ou em camadas (dual, layer), e endereçar cada zona com um canal MIDI diferente. Com esse recurso, um mesmo teclado pode tocar timbres de aplicativos musicais distintos e usando canais MIDI diferentes (ou partes diferentes de um mesmo aplicativo multitimbral), ao mesmo tempo. Com um único canal ou com vários, pode-se tocar mais de um timbre ou aplicativo musical ao mesmo tempo por um teclado musical externo. Contudo, se canais diferentes forem usados, ajustes de volume, de pan, de quantidade de reverb ou chorus, por exemplo, podem ser enviados com valores diferentes para cada instrumento. Usando só um canal MIDI o volume enviado é um por canal e será transmitido igualmente para todos os apps ajustados para receberem mensagens MIDI nesse canal.
Tabela básica dos 128 timbres GM (General MIDI)
8. No teclado ou no app?
Um mesmo resultado pode se obter programando o teclado controlador ou ajustando os musical apps, seja na mão, ou através de outros aplicativos administradores (MIDI flow, AUM, etc), vai daquilo que é mais fácil ou interessante para o usuário, 16 canais MIDI podem fazer muita coisa. A função "learn” que existe em muitos musical apps permite programar rapidamente controles do painel de um teclado linkando botões, sliders, swtches, etc, com parâmetros específicos do aplicativo, como ajuste de filtro, velocidade de LFO, ajuste de drawbars de clonewheels, on/off de efeitos, etc. Isso nada mais é que mensagens MIDI SysEx sendo enviadas e armazenadas.
Falando em SysEx, esse formato MIDI pode ser usado para armazenar toda a programação de um timbre. Dessa forma, antigos bancos de patches de um DX7, por exemplo, podem ser recarregados em musical apps com engenhos FM de 6 operadores para fazer a execução de timbres com as mesmas características estéticas dos patches do antigo teclado Yamaha. Cito o DX7 como exemplo por ser, talvez, o teclado onde atualmente existam o maior número de programas disponíveis gratuitamente para download na internet, também pudera, seu timbre é eterno, inesquecível e muito popular.
CCKs (Camera Connection Kit) Lightning e Adaptador da Apple
9. Conheça bem seu set
Como colocar todas essas informações MIDI no seu set para que iPad e teclados se conversem? Conheça seus instrumentos, clique em cada botão, virtual ou físico, e entenda a que parâmetros ele dá acesso, que ajustes ele podem fazer e que efeitos causam no som. A língua de sintetizadores e teclados eletrônicos é a mesma para modelos e marcas e há muito tempo. Sim, em alguns casos podem existir pequenas diferenças entre termos, dependendo da marca, mas de maneira geral sao os mesmos. Termos usados em órgãos eletrônicos modernos, por exemplo, já eram usados em órgãos de tubos há cem anos. Parâmetros de síntese sonora são comuns tanto em Casio quanto em Kurzweil e muitos existem desde os primeiros Moog analógicos.
Nunca tivemos tanta é fácil informação na internet, gratuíta e em português, como se tem hoje na distância de teclar algumas palavras e dar enter no Google. Leia também o manual de seu teclado, use dicionário inglês-português se necessário, no mundo moderno ter um conhecimento básico da língua inglesa é condição sine qua non de sobrevivência. Apareceu alguma palavra em português que você não sabe, como “sine qua non”? Use o dicionário de português, mas saia da zona de conforto e cresça, a tecnologia não para de apresentar novas soluções para todas as áreas da vida.
Informações MIDI que eu citei aqui, como control change e program change, existem em qualquer teclado com o recurso mínimo de controlador MIDI, abra o menu de configurações e edições no teclado e descubra-as. Se MIDI estabelece um diálogo entre equipamentos, alguém deve falar e alguém deve ouvir, o teclado, via de regra “fala”, isto é, transmite mensagens MIDI, e o aplicativo musical ligado no iPad “ouve”, recebe as mensagens. O mínimo necessário para que esse diálogo ocorra é ambos estarem com o mesmo canal MIDI acionado, pelo menos um. Mensagem MIDI transmitida no canal 1 é recebida pelo musical app com o canal MIDI 1 ligado. Intere-se também dos endereços de cada timbre dentro de um aplicativo, teclados sempre trazem no final de seus manuais uma relação dos timbres com o endereçamento MIDI. As três informações são compartilhadas em algum lugar, o conteúdo do CC 00, o conteúdo do CC 32 e o conteúdo do PC para cada timbre. Em apps com menos timbres, às vezes só PC é usado.
Mas você também pode ajustar volume do aplicativo através do teclado, dentre outros ajustes, enviando para o canal MIDI do app um conteúdo no CC 7, os conteúdos são sempre de 1 a 128, veja o mapa de CC que compartilhei aqui. Tudo isso está nos parâmetros do teclado e no aplicativo musical que você estiver usando, salvo limitações como as que citei acima, limite de zonas no teclado e modo multitimbral ou não do musical app.
Interface MIDI-USB Roland Edirol UM-1ex
10. A ferramenta do presente!
O que um iPad da Appel tem de especial? Um processador que pode executar vários engenhos de instrumentos musicais com um tempo de latência quase inexistente, o que não ocorre com tabletes de outras marcas, mesmo com os mais caros. Um processador aberto que pode abrigar ao mesmo tempo um engenho emulador de sintetizador Moog, em engenho clonewheel de um órgão Hammond B3, um teclado baseado em waves da Roland, da Yamaha, etc. Esses engenhos vêm em musical apps relativamente baratos, menos de cem reais, e mesmo assim podem produzir sons de Grand Piano ou de Pianos Eletromecânicos com realismo, peso e minuciosos detalhes de programação e customização. Ele só precisa de um teclado musical para ser ligado a ele, e aí o músico escolhe o teclado que gosta e que pode adquirir, desde que tenha um CCK e um cabo USB ou uma interface MIDI-USB.
Mas DJs e outros músicos também podem conectar pads e outros controladores para tocarem loops de samples, baterias, percussão, etc. Guitarristas também podem conectar guitarras convencionais num iPad, usando interface de áudio para melhorar a qualidade da conversão A/D ou plugando a guitarra diretamente na entrada de microfone do iPad (através do uso correto de um cano P3), e usar iPad como gerador de multiefeitos de qualidade, simuladores de amps, etc. Um iPad também pode ser usado para controlar remotamente mixers, iluminação, e tantos outros recursos, tudo num equipamento leve, rápido e com total interação com a internet e o mundo virtual.
Na postagem deste LINK fiz uma comparação resumida de alguns modelos, dê uma olhada, mas é importante saber que desde o iPad 2 de 2011, já era possível ter bons aplicativos musicais num iPad com mínima latência. Pra nossa sorte, ainda existe iPad 2 em bom estado de conservação por aí e com preço baixo. Mas não só o iPad 2, modelos ainda mais novos podem ser achados na faixa de mil e quinhentos reais, que módulo de teclado você acha por esse preço? Não um módulo que pode instalar ao mesmo tempo um Hammond, um Rhodes, um Moog, um Yamaha e um Roland, assim o custo-benefício de uma iPad, que não seja o último lançamento, para uso de músico instrumentista é muito bom. Infelizmente, muito músico brasileiro, sempre tão sofrido com o custo tão alto de bons instrumentos, ainda não entendeu isso. Ou acham que é ferramenta cara como são os computadores Mac, ou acham que tem muito latência, como tabletes e celuares que não são da maçãzinha. Contudo, modelos de iPad mais antigos têm alguns limites, não aceitam musical apps com atualizações para versões mais novas de iOS (o sistema operacional do iPad), assim como podem executar menos aplicativos simultâneos. Alguns aplicativos até rodam em iPad antigo, mas engasgam na poilifonia, principalmente em timbres de piano com muitas notas tocadas enquanto o pedal de sustain está pressionado, carga de samples maiores também são mais demoradas. Mas mesmo assim, muita coisa se faz com iPad 2, 3, 4, Mini, etc. É algo que o músico precisa entender, acreditar e começar a usar, musical apps em iPad, não é o futuro, mas o presente que já está aí!
José Osório de Souza