“Quero um bom timbre de piano”, ok, mas pra quê? Que referências a geração atual de tecladistas têm para saber se o timbre de um teclado eletrônico musical é bom ou não? O que é um bom timbre de piano digital? Bom pra quem e pra quê?
Em primeiro lugar, um bom timbre de piano deveria ser aquele que é mais parecido com o som de um piano real, mas aí se cometem vários equívocos. O primeiro é a falta de referência da maioria dos tecladistas atuais sobre o assunto, que desconhecem pianos reais. A culpa nem é deles, pianos acústicos se tornaram inacessíveis, principalmente no Brasil. Os novos são caros, os com tecnologia aprimorada, porque é importante que saibamos que a tecnologia na construção de pianos também evoluiu. Os japoneses, em sua busca por economia de espaço, necessidade que têm pelo alto preço do metro quadrado num país pequeno e com uma densidade demográfica grande, diminuíram o piano sem que ele perdesse a eficiência. Mas bons pianos têm um alto custo, atualmente, e mesmo os “ruins”, os chineses com qualquer marca, sem um controle melhor de qualidade, também não são baratos.
No Brasil, hoje, não temos mais aquelas várias marcas tradicionais que tínhamos há vinte, trinta anos atrás, e pianos usados, pra quem quer um instrumento e não portavaso, podem estar acusticamente inviáveis, mortos. Mesmo bons pianos tem uma variação enorme de timbre, dependendo de marca, de modelo, de idade, e mesmo se tiverem essas três características iguais, podem soar diferentemente. Grand Pianos, os de cauda ou meia cauda, Baby Pianos, os de um quarto de cauda, e Uprights, os verticais ou de armário, soam de formas distintas. Samples de pianos verticais, aliás, são mais difíceis de se ver em pianos digitais, assim os mesmos tecladistas que desconhecem pianos acústicos, se acostumaram com uma referência de qualidade de Grand Pianos sampleados (e sampleados mal, ou facilitados, para serem mais fáceis de serem tocados). Sem referência, eu pergunto, o que é um bom piano, pra essas últimas gerações de tecladistas, que se não têm acesso a pianos reais, muito menos têm a estudo de piano erudito, e foram viciados em referências falsas dos pianos digitais?
Estudo de piano erudito, ou piano clássico, como alguns equivocadamente usam o termo, equivocado porque clássico é só um dos quatro períodos da história da musica erudita, que seja, esse estudo pode ser referência mais importante até sobre pianos que o piano em si. Quem estuda piano erudito adquire um respeito com todo o engenho do instrumento, o que lhe dá uma visão completa das possibilidades timbrísticas de piano. Aprende-se a tocar nas 88 teclas, a administrar o pedal de sustain para segurar a harmonia aberta, aprende-se a explorar as dinâmicas do som, do mais baixo, PP (pianíssimo), ao mais forte, FF (fortíssimo), para poder separar os elementos de um arranjo. Com um instrumento do porte do piano, com tal tessitura, faz-se uma orquestra, baixo, harmonia (base e ataque) e melodia. Gerenciamento de equilíbrio, eis a principal característica de quem toca um timbre de piano como piano, seja em um instrumento acústico ou digital, mas para poder fazer isso, o timbre tem que dar essa possibilidade para o instrumentista. Nesse ponto podemos começar a entender o que é um bom timbre de piano.
Num mundo 3D, os tecladistas têm performance e referência de bom piano com uma visão 1D, unidimensional, no máximo reconhecem qualidade num piano sampleado de duas camadas por teclas, com a segunda cópia da primeira carregada no “cutof-resonance” para dar a impressão que os harmônicos foram acentuados. Do que adianta, para a maioria, que toca F ou FF todo o templo, entregar timbres de pianos digitais com quatro camadas ou mais de samples, sem e com pedal de sustain pressionado, com duração real das amostras, sem uso de loops de partes dos samples? Menos ainda adianta vender mecanismos de teclas que chegam ao cume da perfeição com martelos, estágios, escapamento, tempo de ataque e de rebote, etc, para uma maioria de tecladistas que quase nunca (ou nunca) puseram os dedos num piano acústico verdadeiro. Não estou dizendo que atualmente faltam talentos, existe muito tecladista talentoso, como sempre existiu, mas que infelizmente, por um motivo ou outro, legítimo ou não, usa cópia como referência de cópia.
Unidimensionais, fazem solos mirabolantes, mas isso é referência de sintetizadores leads, ótimas referências, mas não de piano. Esses também fazem grooves com acordes dissonantes, mas isso é referência de pianos eletromecânicos, e repito, isso é legítimo, mas não é de piano. Vejo jovens fazendo solos e segurando bases com execelência, atualmente, mas quando sentam-se diante de um teclado para segurarem um piano, fazendo mais de um elemento de arranjo, abrindo harmonia e usando pedal de sustain, ouvimos uma sonoridade manca, desequilibrada, sem o luxo que o timbre de piano pode desempenhar. Perderam a referência de piano na performance. Essa deficiência na performance, levará a uma busca equivocada do timbre de um bom piano, pra que tantos layers por tecla, pra que um mecanismos tão aprimorados nos pianos digitais, se tudo é tocado com a mesma dinâmica, e na maior parte das vezes, só nas três oitavas centrais do teclado e sem pedal? Assim, na maior parte das vezes, quando jovens tecladistas dizem que um sample é “top” (e como esse adjetivo é usado, como se não houvesse outro adjetivo pra definir algo de qualidade), é porque ouvem graves e agudos soarem por algum tempo, suas referências são só dos extremos, perderam a noção das nuanças, das variações entre os limites.
Jovem tecladista que me lê, reconheço seu talento e seu bom trabalho, mas ouça este conselho, invista menos num set para tocar ou vivo, ou melhor ainda, tenha o mínimo para fazer um trabalho decente, principalmente pelo valor do cachê que recebemos na noite brasileira, e invista num piano acústico em casa, para estudar, ou pelo menos num bom piano digital de teclas pesadas. Tenho levantado a bandeira de aplicativos musicais em iPad por ela ter se tornado uma ferramenta acessível e com bom custo-beneficio, isso é mais um motivo para economizar no set de trabalho e investir em instrumento de estudo. Mas estude com orientação adequada, com um professor que vai te levar a aprender coisas novas. Tirar músicas novas para tocar no trabalho, na maior parte das vezes, não é constitui estudo de fato, porque no melhor das circunstâncias não evolui nosso nível técnico. Só há evolução com “dor”, eis uma verdade que muito jovem atualmente não gosta de ouvir, e em termos de estudo de piano, dor significa exigir mais do que temos até então de velocidade, de dinâmica, de abertura de dedos, assim como de facilidade com leitura e uso de acordes mais sofisticados e de escalas mais ricas.
José Osório de Souza / Revista Teclas & Afins Julho de 2018
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